Um amigo muito próximo, que com certa frequência
colabora para esta tranqueira com algum relato ou frase lapidar, sempre
devidamente transposto para o linguajar podre e pseudo-culto deste
tipinho que vos escreve fez mais uma recente (e ótima) contribuição, segue:
Esse meu amigo cometeu a burrice que a esmagadora
maioria de nós comete ao menos uma vez na vida, ou seja, casou-se. Mas um
bom tempo depois, teve a sanidade e decência de reparar o erro e consumou
a separação. Claro que as sequelas e o preço disso (monetário e emocional)
foram pesadas e assim não se recuperou muito bem da confusão, mas segue firme e
forte, amealhando mulheres e mais mulheres, o que, convenhamos, torna
tudo o mais suportável, leve.
Bem, ocorre que nasceram duas crianças dessa
relação e meu amigo jamais se furtou de dar toda a atenção a elas: sou
testemunha de como e quantas ficantes e candidatas a caso e namorada ele perdeu
pelo caminho por priorizar, sempre e sempre, seus filhos. E ainda dizem que
homem que se separa só quer saber de farra e virá o tal 'pai quando dá para
ser', como umas feminazis imbecis andam a afirmar mundo real e virtual
afora...
Há algumas semanas, meu amigo passou na masmorra
em que a bruxa das trevas que atende pela alcunha de 'ex-esposa' se
esconde, para entregar as pobres crianças à criatura em questão, após passarem
todo um final de semana com ele. A primogênita pediu para o papai esperar um
pouco, pois tinha feito um desenho para ele, todo caprichado, e queria
entregá-lo. Enquanto esperava, defronte a ponte levadiça que conduz ao
reino das trevas, a governante desse recesso de loucura materializou-se, para
desgosto dele. Abaixo o diálogo que se seguiu:
- As crianças já estão em casa e seguras, já
trouxe elas, por que não vai embora?
- **** (nome da filha oculto por razões óbvias)
pediu para eu esperar, para buscar um desenho que fez para mim e me entregar.
Não se preocupe, já estou indo. Sabe que te ver é tão "prazeroso"
para mim quanto para você.
- Sei sim. É que hoje em especial não queria te
ver de jeito nenhum.
(Ele percebeu um tom estranho na sempre ácida e
desagradável voz da megera e não se furtou a perguntar):
- Mas o que tem o dia de hoje?
(Ela arregala os olhos e pergunta, ainda mais
nervosa):
- Você não sabe mesmo que dia é hoje?
-Não!! Dia X de fevereiro, tá, e daí?
(Bruxa das trevas cerra os olhos e vocifera):
- Hoje é o aniversário de nosso finado casamento.
Nos casamos num dia X de fevereiro há 12 anos!!!
(O grandessíssimo e insensível canalha - atenção,
esses termos são elogio!!! - mais uma vez não faz o menor esforço para conter
sua reação e responde entre risos que tinha felizmente esquecido a data
por completo). Por um feliz acaso, sua doce e vivaz filhinha apareceu no momento exato,
entregou-lhe o caprichado e singelo presente, estalou um beijo no rosto do
papai e este zarpou, todo orgulhoso: orgulhoso dos filhos que gerou, únicas
coisas boas que houve nesse casamento, e orgulhoso de si mesmo, por ter conseguido
esquecer, sincera e completamente, aquela data desditosa e macabra.
Após me contar o ocorrido, reunidos num dos
nossos botecos sujos e decadentes favoritos do centro, e depois de muito
rirmos, me ocorreu que o episódio renderia uma postagem aqui na tranqueira, uma
postagem em que eu comparasse o tema esquecimento desse relato com o tema
esquecimento tal e qual comparece em um livro cuja leitura terminei há pouco:
nada menos que It (A coisa, em português), de Stephen
King.
Não resumirei as quase 1.100 páginas do volume,
apenas citarei que o grupo de protagonistas, as crianças que derrotam o monstro
uma vez e têm de retornar, quase trinta anos depois, à cidade natal, para
derrotar a criatura de uma vez por todas, após ambos confrontos passam por uma
espécie de amnésia autoimposta: o confronto com uma criatura monstruosa,
sanguinária e de tudo alienígena, terrível e incompreensível demais para a
mente humana, força suas mentes, para não enlouquecerem de vez, a esquecer
quase tudo que fizeram e sofreram nesses combates medonhos, apenas uma vaga
imagem de que algo terrível residia nos subterrâneos de Derry e que eles a
enfrentaram e a destruíram é o que fica como lembrança de sua jornada heroica,
ao final da narrativa.
Entre muitas risadas, disparei, e meu amigo
concordou, rindo ainda mais e pedindo mais cerveja ao proprietário do bar,
canalha como nós, e que ouvia atentamente o papo:
- Moral da história: seu terminado casamento e
sua ex-mulher foram duas coisas horríveis como um monstro
extraterrestre com poderes sobrenaturais, tão assustadoras que você esqueceu a
data em que entrou no covil do monstro.
Como encerramento, segue uma imagem do ser em
questão. Convenhamos, lembra bastante uma ex-esposa ressentida e nervosinha,
não?
Saudações canalhas e cafajestes
Nenhum comentário:
Postar um comentário