Há menos de duas semanas o caçador noturno se
dirigiu a seu território de caça favorito, a selva noturna escura mais
importante de toda sua vida noturna de caçador, desde sempre. Uma certa
dama, com quem já tivera contatos íntimos em outros tempos, um tanto
recentes, anunciou que lá estaria, enfatizando que dessa vez 'iria mesmo' pois
já cancelara uma mancheia de cafés à tarde e cervejadas ainda mais
recentemente. O caçador noturno, cético e calejado como é, entrou na selva
noturna deixando todas as expectativas para trás, que se dissipassem no mundo
exterior àquela dimensão paralela que é essa selva e principalmente seu porão,
pois isso sempre tornava a caçada mais interessante, uma experiência real,
mesmo que não proveitosa.
Pois bem, mal chegou e encontrou a moça,
que conversava animada com um sujeito. Ele entregou a encomenda que ela lhe
fizera (especulem à vontade sobre isso, pois nunca saberão do que se trata!! Ha
ha ha), o sujeito se afastou com discrição e uma conversa animada se instalou
entre o caçador e a moça que de presa, como já devem ter deduzido, nada
tinha... Conversa animada, mas que não levaria a um novo intercurso, como os
constantes olhares da moça aos cantos e certos subtextos em suas falas indicavam.
O tempo passou, pegaram bebidas e foram à pista de dança, por sugestão do
caçador. Uma vez lá, após duas músicas a moça se afastou rapidamente, tragada
pelas sombras daquele modo que somente quem frequenta essa pista escura e
abissal pode entender. O caçador não se enfureceu ou lamentou, afinal, a moça
já dera todas as mostras de ser um verdadeiro 'bagre ensaboado'[1],
assim ele vagou às tontas pelos cantos e ambientes do território de caça,
esvaziando cerveja após cerveja, desfrutando a música, dirigindo olhares às
damas – nem tão damas assim, se me entendem – até que topa com um conhecido
seu: nada menos que fodelão bola-murcha, que inclusive estrelou uma postagem
nesta tranqueira, em 2015, com este título. O sujeito nada demorou para
regurgitar sua ladainha de sempre sobre infindáveis conquistas amorosas, comer todas,
etc, etc. Mas eis que desta vez algo ficou claro: o papudo rapaz não considera
este escriba um ‘ouvido de penico’ para suas invenções. Não! Para ele, o caçador
noturno é um igual, um companheiro-em-armas, ele considera que somos os fodelões
mor das noites do Centro. Ha ha ha ha...
O tagarela rapaz estava acompanhado de um amigo,
que o caçador já conhecia de outras noitadas, um cara sem pose, amigável, afável,
o oposto de bola-murcha em suma. Logo passamos a avaliar as mulheres e discutir
as possibilidades. O amigo aponta uma garota de cerca de 20 anos, muito
bem-feita de rosto e corpo, belos olhos azuis e um ar de pateta daqueles. Segundo
ele, a moça era uma menininha deslumbrada metida a poderosa com quem ele tivera uma conversa desconexa pouco antes, na qual ela posava de ‘muito lôca, bebo
todas, tô sempre zoada no rolê’, etc. Pois eis que a moçoila se achega a nós no
balcão, cumprimenta o rapaz (o amigo, não o bola-murcha), que nos apresenta a
moça, que apresenta a nós sua amiga, uma mocinha na flor da idade, uma garota
de não mais de 19 anos, tomada de compreensível timidez ao ser apresentada aos
três velhacos, inclusive e principalmente porque a amiga (a tal ‘porra-louca’)
pôs-se a enaltecer os dotes da garotinha: ‘gente, minha amiga não é linda? Olha
que rostinho de boneca, que pele de pêssego(sua mão deslizava pelo rosto da
mocinha enquanto ela dizia essa frase, isto não é ficção ou distorção do que
aconteceu!!!). A menina ruborizou-se ao máximo e saiu de cabeça baixa.
Dei um jeito de me desvencilhar daquela
patuscada, vaguei, vaguei, até me dirigir ao fumódromo para consumir um
bastonete cancerígeno. Quem estava lá? Exato!! Bola-murcha e o amigo gente-boa
e sentadas em uma mesa, porra-louca e amiguinha ninfeta. Troquei palavras rápidas com os rapazes e me
aproximei das moças. Pedi licença, sentei-me e tentei entabular uma conversa com
a mocinha, pois a porra-louca tinha se mostrado uma anta, com todo respeito que
os nobres mamíferos da família tapiridae merecem. O que aconteceu? Sim, porra-louca
re-recitou a cantilena sobre a beleza da amiga, com direito a mais carícias
suaves no rosto dela, com tal insistência que a garota ficou ainda mais constrangida
e tornou impossível qualquer ação do caçador, cuja paciência dissolveu-se no ar
com a fumaça de seu cigarro: disse boa noite, pegou mais uma cerveja, bandolou
mais um e tanto decidiu tomar seu lugar na fila do caixa, certo que a noite
terminara.
Quem estava logo a sua frente na fila?
Porra-louca e pele de pêssego, óbvio. E bola-murcha e gente-boa pouco atrás
dele. Eis que este escriba tem uma ideia besta, mas cuja execução seria um fechamento
digno para tal noite. Assim, ele vira-se para gente-boa e dispara: ‘me
acompanhe, fique perto, que vou dizer uma coisinha para essa tonta.’ Os olhos
do cara brilham e ele me segue. Assim que as duas beldades pagam sua conta este
sujeitinho se aproxima, se despede de ambas, enlaça porra-louca pela cintura
com seus braços, encara seus olhos – muito bonitos, justo confirmar – e diz com
todas as letras que ele não queria ficar com a menininha tímida, mas com ela,
que seu intento era ela. E aproxima seus lábios dos dela, que apavorada afirma
ter namorado (Claaaroooo!!!) e dirige um desesperado olhar de socorro ao gente-boa,
que assiste à cena rindo com gosto.
Como sou um canalha com princípios, não forcei a
barra: libertei a moça de meu abraço e ela desapareceu pela porta com a amiga, apressada como uma
chapeuzinho vermelho perseguida pelo lobo mau (a blusa que vestia era vermelha,
eu garanto!!!).
Dirigi mais um olhar à testemunha da palhaçada,
que me cumprimentou e me parabenizou, entre risos.
Uma última observação, caros leitores: não sou
afeito a declarar minhas intenções para as mulheres de modo muito assertivo e
explícito, principalmente no começo da conversação. Sou muito mais de criar clima,
sugerir, insinuar, de modo que a ficada, a pegação, seja uma consequência natural
de uma situação que é conduzida em um crescendo, da qual ambos não queriam nem
possam escapar. Pois bem, essa pirralha bêbada não mereceu nada disso. Chegar
com tudo e dizer ‘quero ficar com você!” é tudo que ela mereceu.
Saudações canalhas e cafajestes
[1] Gíria
que a polícia e a bandidagem paulistanas usaram muito, principalmente entre os
anos 40 e 60, para se referir a indivíduos escorregadios, difíceis de serem pegos por quem quer que fosse. Encontrada
em um dos grandes livros do grande Marcos Rey, cronista definitivo da boêmia paulistana
deste período.
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