Ele já passara dos cinquenta e os anos vindouros prometiam o oposto daquilo que os sonhos dourados da juventude - tão distantes, tão esmaecidos, tão esquecidos - faziam brilhar em seus olhos, pois assim que cometera o irremediável e abismal erro de ingressar na vida adulta, ou seja, tornar-se um homem decente aos olhos da sociedade - casamento cristão na igreja, família tradicional, filhos, carro, prestação da casa própria, emprego com horário para entrar e sair, vida programada até o túmulo - procurou com a volúpia dos homens desesperados reparar algo que não pode ser mais reparado de fato.
Ele tentava resgatar a juventude perdida e nunca mais recuperada por meio dos recursos usuais que todos os homens que cometeram esse erro fatal lançam mão. Boêmia, mulheres pagas, amantes, jogatina, tentava equilibrar-se entre uma vida familiar cada vez mais pesada e insuportável e os apelos desses prazeres que tinham se tornado não mais que anestesias para calar sua própria consciência, sempre a lhe acusar de ter fodido a própria vida e não ter ninguém a culpar além de sua desprezível pessoa.
E assim os anos foram passando nesse equilíbrio cada vez mais tênue, sua vida dupla cada vez mais evidente para sua mulher, que mesmo educada(leia-se deformada) para ser rainha do lar, mãe e esposa submissa, cada vez menos suportava as noites passadas a sós, os aromas mais que suspeitos que cercavam seu marido como uma névoa, quando este ressurgia, os fins de semana em que ele, de ressaca, mal dava alguma atenção aos filhos, que logo crescidos, passaram a responder com a mesma indiferença.
Mas nada disso parecia abalá-lo, mais e mais mergulhando na libertinagem, jogatina, boêmia, na boa e velha esbórnia que parecia ser tudo que lhe restava. E quanto mais a vida familiar se tornava deletéria, mais na decadência ele mergulhava. O irresistível charme da degeneração moral, da putaria barata, do inferninho esfumaçado, como ignorar?
Até o dia em que tanto desregramento cobrou seu preço e ele teve a mais gloriosa morte que um canalha, bebum e mulherengo poderia ter.
Um infarto fulminante, em um hotel barato, ao lado de uma puta vulgar, uma garrafa de gim em suas mãos manchadas de nicotina.
Tudo isso, incluindo a cena da morte, me foi relatado por um parente próximo do falecido e velho amigo meu que, por meio desse relato, estreia como colaborador desta tranqueira. Ele, o parente, foi incumbido de manter as aparências, apagar as evidências da vida putanheira do sujeito e garantir que durante velório e sepultamento esse lado 'sujo' não viesse à tona.
Convenhamos, caros leitores, há outra morte a que um canalha e cafajeste pode aspirar?
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