Tenho opiniões e reações contrastantes para com a obra de Charles Bukowski: sua escrita é plena de energia, convicção e entrega, ele é conhecido como um dos escritores nos quais o clichê 'obra é registro/recriação do que viveu' mais se encaixa corretamente; porém também é conhecido por uma escrita desleixada, mal-acabada de propósito, exagerada. Domar a criatura que sai da mente após o jorro criador, rever o que foi registrado no papel antes da publicação era algo abominável para ele e seus fãs, o texto deveria vir ao mundo(leitores), exatamente como gerado, o 'velho safado', portanto, era de todo fiel ao pior aspecto do Romantismo.
E essa a causa de minha ambiguidade para essa obra longa e tão desigual: ao mesmo tempo que me emocionei, ri e refleti, lendo seus relatos crus, excessivos e brutos, muito também me irritei com as frases de efeitos vazias e muitas vezes ridículas, com a narrativa sem fio condutor claro, pontuada por observações desconexas, enfim com a escrita sem nenhum cuidado. A poesia é um terreno ainda mais grave: muitos estudiosos e admiradores da obra do 'velho Buk' no exterior preferem sua poesia a sua prosa. Aqui nestas plagas, parece ocorrer o contrário: seus romances e coletâneas de contos tiveram melhor acolhida, sendo publicados desde os anos 80, enquanto traduções da poesia só começaram a circular no Brasil da primeira década deste século para cá e muitos leitores brasileiros realmente preferem a prosa. No meu caso, li uma fração de sua poesia e foi uma jornada árdua chegar à última página (soa a poemetos de adolescente que acha ter descoberto o sentido do universo por ter dado a primeira trepada em meio a uma bebedeira e coisas do gênero). Fato é que ele tem público cativo no país, é publicado aqui há décadas e é um ídolo de escritores e aspirantes a tal que posam de 'malditos', 'marginais', 'rebeldes' e outros termos que já se tornaram, no depressivo meio artístico/cultural brasileiro, nada mais que pura marquetagem.
Os poucos leitores que acompanham esta tranqueira já devem ter se perguntado, ao chegar a este parágrafo: tá faltando assunto mesmo, hein, Alex B? Não tem mais nada a contar sobre vida noturna, mulherio, beberagens,etc, por conta do isolamento e resolve enganar escrevendo resenhinha barata sobre um escritor cuja obra toda versa sobre esses temas? Não exatamente, meus caros. Enquanto divagava pelas minhas estantes de livros, esperando ansioso que a divina Calíope me abençoasse com uma livre associação de ideias que levasse a um texto para esta tranqueira, topei com os livros de Bukowski, há muito recebendo impassíveis camada após camada geológica de poeira e súbito lembrei de sua fauna de cultuadores que povoa determinadas partes do Centro de São Paulo. Em seguida, veio à mente uma conversa sobre esses tipos, que tive com uma grande amiga e voilà!! A próxima postagem do Noites Cafajestes surgia em minha combalida mente.
Ocorre que já há vários viceja uma subcultura de boêmios, bêbados, aspirantes a escritor (ou que já o são, ou acham que são escritores de fato - esses são os piores), em certas partes do Centro, cujo ídolo, guia, mestre é o próprio escritor bebum supracitado. Essa fauna pulula e prospera principalmente nos bares da Praça Roosevelt (sim, estou me referindo aos bares frequentados pela turma do teatro, artistas, 'alternativos' - outra palavra que caiu no ridículo há décadas e que ainda tem gente neste paíszinho medievo que leva a sério), bares do dito Baixo Augusta e adjacências. Pois bem, essa grande amiga, que como eu reside no Centro, em suas incursões noturnas, em busca de bebida e companhia (não necessariamente nessa ordem), topou mais de uma vez com exemplares masculinos dessa fauna(embora não seja formada só por homens: o 'velho safado' tem muitas leitoras brasileiras, incluindo uma escritora tão ruim quanto, que por um bom tempo posou de Bukowski de saias dessa região), que vinham com um papo pseudo-cabeça 'radical' e 'rebelde' para se mostrarem interessantes e assim angariar os favores dela; porém, esperta como é, não demorou a sacar quão falsa e artificial, estudada, era essa persona e logo criou uma curta e mortífera sequência de perguntas para demolir os tipinhos - segundo ela, alguns se apresentarem afirmando com todas as letras: 'sou o Bukowski do Centro'(!!!!!).
Conta ela que olhava docemente nos olhos do rapaz, estudava sua aparência, a barba hipster cheirosa e bem aparada num dos salões da moda da moda da rua Augusta, o sapato e a jaqueta de couro gastos e ainda usados para dar um ar de 'marginal' e 'rebelde', em contraste com a camisa limpa e passada e então disparava o raio desintegrador:
- Vem cá, você tem uma pia de cozinha repleta de louça para lavar e transbordando de líquido gorduroso e mal-cheiroso? Mora em uma quitinete minúscula e toda bagunçada? Já teve de encarar um trabalho degradante, para conseguir pagar o aluguel dessa quitinete? Mesmo quando faltava grana para comer, não deixava de escrever um poema?
Caros leitores, a descrição das reações desses artistas malditos de butique, ao serem desmascarados com tamanha agudeza, é hilária. Deixo esse elemento da narrativa a ser composto por vocês, só conto que segundo ela alguns desses sujeitos pareciam prestes a cair no choro e sair aos gritos do bar chamando pela mamãe!!!
Bem, tarefa cumprida: um texto que ao fim tratou de vida boêmia, canalhice, a infinita mediocridade da espécie humana e das desventuras do Centro de São Paulo, temas centrais e perenes desta tranqueira.
Saudações canalhas e cafajestes
Nenhum comentário:
Postar um comentário