Há alguns dias, em uma quarta à noite, eu voltava para casa, após contribuir com minha cota diária de tempo, vida e energia para o enriquecimento dos dignos capitalistas e para a manutenção da ordem social. Duas moças entraram no ônibus rindo e falando, muito e alto. Elas eram, sendo ofensivo e politicamente incorreto como sempre sou, duas barangas desprovidas de classe ou educação oriundas da terrinha, ou seja, duas "baianinhas" vulgares - xingamentos e ameaças para o e-mail, por favor - e era impossível ignorar a conversa que travavam; aliás, estou certo que quanto mais os outros passageiros lhes dessem atenção, mais felizes ficariam...
Bem, uma delas disparou a jóia: "minha filha, o amor é como a grama: você cuida, rega, dá atenção e carinho, e quando está bonito, forte e colorido, vem uma vaca e come". Anotei na cabeça a porção de sabedoria, decidido a postá-la aqui, claro que acompanhada de um comentário que esmigalharia a visão limitada que a impregna. O tempo passou, negligenciei minhas obrigações escribísticas mas eis que minha vida noturna forneceu o mote para inserir a frase em algo maior e mais profundo, e claro, dela desfazer e negar.
Ocorre, cara meia dúzia de leitores, que já algum tempo, quando dedico um fim de semana à caça, quando não tenho compromissos agendados com alguma dama, adotei um esquema um tanto fixo: sextas em certo ambiente especializado em rock, sábados em certo antro de heavy metal (ambos já comentados aqui, sem citar nomes, claro). Situam-se ambos no Centro da cidade e são próximos entre si - algum palpite? - E percebi que estabeleceu-se um padrão: quando me dou mal no primeiro, é certo, uma lei da física, que me darei bem no segundo.
Finalmente, o centro da postagem, a reflexão que destroça a frase de nossa amiguinha barangosa que adentrou o ônibus e essa história bem diante do Pateo do Colégio: o primeiro local é limpo, de "nível", frequentado por moças que abominam e desprezam o segundo, garotas de classe média e média baixa em busca do príncipe encantado que resolverá suas vidinhas, moças decentes que se horrorizariam com a sujeira e falta de classe e principalmente as "vagabundas" e "vacas" do metal que enchem, o segundo: fáceis, sem nível, e que dão para os roqueiros desprezíveis que surgem em hordas atrás delas, sem o mínimo decoro ou decência (leia-se, bancar a difícil, levar o cara a humilhar-se e fazer o valor de sua sagrada bucetinha parecer muito maior do que realmente é); o segundo já está delineado: um lugar baixo, sujo e vil, repleto de vacas. Ocorre que eu e meu amigo e parceiro mor nessas noitadas estamos seguidamente nos dando mal no primeiro e sendo muito felizes no segundo. E as alegações das ruminantes, digo, das moças que lá circulam, para recusarem um beijo, companhia e até um mísero endereço eletrônico, após nos provocar, fuzilar com olhares, sorrir e eventualmente até mesmo conversar por quase uma hora são as mesmas: "não fico na balada", " tenho namorado", " você é muito atirado" etc. Já na masmorra suja, é raríssimo isso ocorrer: se a garota não quer nada, expressa isso com prontidão.
Após essas pancadas, reerguimentos e noites infelizes e outras felizes, chega-se invariavelmente a uma conclusão: uma mulher é chamada pela outra de vaca somente se um interesse, recalque, hipocrisia ou algo ainda pior da primeira é ameaçado pela gula da ruminante, ou: a classificação de uma ruminante depende dos interesses e preconceitos da classificadora, nunca de precisão ou objetividade científica.
Saudações canalhas