Noites Cafajestes à venda

Noites Cafajestes está de novo à venda, agora no site da Amazon Brasil: clique no link abaixo, e digite o nome do livro na pesquisa loja kindle, no alto da página.
Um verdadeiro guia de comportamento e sabedoria canalhas e cafajestes por R$6,00.

sábado, 13 de agosto de 2011

Uma noite do caçador noturno

Noite de sábado, tempo frio mas agradável. Envergando não o uniforme do dia-a-dia que é obrigado a carregar para sobreviver, mas sim seu verdadeiro traje, a roupa com que se sente ele mesmo – calça justa, botas pesadas e lustrosas, camiseta negra, chamativa jaqueta de couro “rocker”, cabelos soltos, estudado olhar viril e duro – o caçador noturno adentra seu território de caça favorito, onde teve gloriosas e inesquecíveis noites de predador e outras de patético perdedor, onde sempre viveu e presenciou extremos: nessa masmorra não há noitinhas comuns e bestas. Assim, ele espera o inesperado.
Ainda é cedo, o início de uma noitada de rock e metal no centro de São Paulo. Poucas pessoas, poucas mulheres. Após circular um pouco, ele senta-se no que, um bêbado ou um semi-analfabeto ou ambas as coisas chamaria de hall ou mezanino do pulgueiro, para aguardar  a população local se adensar e a primeira bandinha da noite encerrar sua sessão de tort.. quer dizer, show, pois aturar uma bicha gorda imitando cantora de voz fininha é aviltante para um headbanger como ele.
Cerca de 40 minutos mais tarde, ele sente que o momento chegou: música ao menos tolerável vem do palco e há muita gente para lá e para cá. Uma circulada pelos ambientes e a dama é escolhida. O rostinho de menina sapeca (esse termo num blog como este é dose, admito), o cabelo negro e brilhante, cortado numa franjinha displicente, o corpinho... óbvio porque foi a “eleita”. Havia uma amiga, uma garota bonita e atraente, não tanto como a “vítima”, que, o macho cheio de si imaginava, seria sua parceira de uma noite de beijos e prazeres.
Ele as aborda quando circulavam pelo segundo ambiente da masmorra. A garota da franjinha (nome fictício: Denise) respondeu de maneira cortês mas seca. Mas a amiga (nome fictício: Evelin) ouviu a abordagem, empolgou-se com as palavras manhosas do caçador, tomou a dianteira e entabulou uma conversa que cresceu em empolgação e em flertes: ela o ouvia com o rosto cada vez mais próximo, os olhos brilhavam e, súbito, sem nenhuma insinuação ou tentativa de parte dele, ela segurou sua mão, com, ah, como dizer, doçura, tepidez...  
Conversa vai e vem, e ela dispara, à queima-roupa, sem carícias, preliminares ou lubrificação, que não ficará com ninguém naquele lugar e naquela noite, pois acabou de tomar um fora e não está “legal”. O caçador, em silêncio, se pergunta, diante de um sorriso que exala radiância e de tamanha aparente serenidade o que é estar bem para uma garota tão vivaz e em seguida recebe outra na cara: a pessoa que dispensou a gracinha está na masmorra. Mais espanto:
– Seu namorado, ou ex, está aqui?
– Não, namorada, sou lésbica.
O caçador recebe um aviso de seus sentidos predadores que é o momento de discretamente partir, deixar a moça com seus problemas e partir em busca da próxima vítima. Seu plano de fuga é o de sempre e infalível para situações como esta neste lugar: anunciar que vai mergulhar no caos grudento e sufocante da multidão espremida no balcão do “open bar”, fingir que nele entrou, sair pelo canto à direita – sempre movimentado, cheio – e sumir, retomar sua busca pela musa questionável da noite.
Mas o plano infalível falha pela primeira vez: sustentando o sorriso e olhar calmos e sedutores – como as mulheres fazem com facilidade coisas que são difíceis ou impossíveis para os parvos dos homens! – a moça anuncia que vai acompanhá-lo e levando-o pela mão se insinua na confusão e espera pacientemente por seus copos de cerveja barata, para em seguida ir de um lado para o outro, sua doce mão acariciando a pata do caçador. Após uns minutos de desfile, a garota o puxa para um canto. Não, ela não mudou de idéia e não vai cobri-lo de trocas de saliva e afagos. Apenas anuncia:
– Acabamos de passar por ela.
– E como ela é?
Os dois primeiros termos da descrição que Evelin fornece já são bastantes para ele identificar a figura(nome fictício desta: Andressa). Ante a afirmação dele de que reconheceu a namorada maldosa, Evelin pergunta:
– Ela olhou para nós?
– Não, mas percebi na hora que falava dela, pois é uma figura muito chamativa.
Para o bem da preservação dos parcos dotes narrativos deste escriba e da paciência e bem estar de vocês leitores, daremos um salto para cerca de uma hora mais tarde: nesse meio tempo o caçador noturno foi apresentado a alguns amigos da moça, uma turma simpática e afável (calma, eles terão um papel a desempenhar nessa embrulhada), aproveitou enquanto ela contava a eles como fora a briga/dispensa que recebeu e conseguiu sumir, correndo a masmorra por algumas vezes. No “hall”, topa com Andressa aos beijos com outra garota (nome fictício desta: Giovanna) e recebe um aviso de seu sentido predador que a confusão toma proporções preocupantes e seria prudente ficar fora...
Idas ao fumódromo, em que conhece algumas pessoas (mulheres, claro), troca formas de contato com elas, rondas e rondas pelas catacumbas e desvãos da masmorra e eis que sem saber como ele se vê diante de Evelin de novo, Denise ao lado deles. Os amigos da primeira (lembram?) juntam-se ao trio e relatam que Andressa, ensandecida ao vê-la de mãos dadas com um homem, foi em busca de sua ex-namorada (Giovanna), e tascou-lhes uns beijos, apenas para provocar Evelin. Giovanna, ainda apaixonada pela ex, achou que o ato indicava que o retorno se consumaria, que o amor venceu, que elas celebrariam o retorno, o romântico reatamento, com uma interminável sessão de tribadismo no hotelzinho mais próximo... mas descobre em minutos que foi usada como arma de ciúme pela cruel e sem coração ex-namorada, e sai em desabalado choro masmorra adentro.    
Evelin ouve tudo em silêncio. Troca algumas palavras com Denise, cuidadosamente ocultas para ele, e sem aviso elas se agarram e trocam um beijo ardente, bem diante daquele macho aparvalhado (o termo em destaque é redundante, convenhamos), que decide jogar qualquer decoro ou sutileza para as picas e diz a elas que adorou a cena e que um beijo triplo seria ainda mais gostoso. Denise nada diz e afasta-se. Evelin sorri, como sempre, diz para ele esperar, pois precisa ir atrás de Giovanna, consolá-la, desfazer os múltiplos estragos que se disseminam mas promete, ao voltar, que os desejos dele serão satisfeitos,  deve apenas esperar.
O que ele faz? Não se afasta do território de caça, claro. Ao invés de partir em busca de nova vítim... corrigindo, nova musa questionável, ele fica por perto, assistindo aos grupelhos medíocres berrarem no palco, o sentido lupino  vigilante, aguardando o retorno de Evelin. Durante uma das pequenas circuladas pelo ambiente, os amigos o param, conversam sobre amenidades, até que  um casal, membro da patota, o interpela:
– Cara, você é um filho da puta, parabéns!
– O quê?!! Do que estão falando?
– Porra, meu irmão – e o rapaz aponta para um garoto de cabelos longos, semi-desfalecido, bem à frente deles – viu você catando a Evelin e a Denise ao mesmo tempo, fazendo um beijo triplo com elas!!
– Quem dera!! Eu apenas vi elas se beijarem, cheguei bem perto e disse que adoraria participar. Vocês estão enganados.
– Bem, meu irmão está bebaço...
– E eu estou sóbrio, bebi pouquíssimo. O ângulo de visão, a escuridão e a bebida devem ter produzido uma ilusão de ótica nele. Aliás, cadê a Evelin?
– Está por ai, tentando consolar a Giovanna e se entender com a Andressa.
Nesse momento o caçador tem uma espécie de delírio anti-erótico e reflete que é melhor cair fora dessa encrenca, antes que três lésbicas o encurralem e o cubram de tapas, sem ter comido ou sequer beijado qualquer uma delas:    
– Bem, então devo seguir caminho e procurar algo por aí.
– Acho que deve mesmo.
O caçador se despede, ciente e aliviado de que dificilmente falará com essas pessoas de novo, circula mais um pouco e decide zarpar.
Ao ganhar a rua, que casal está sentado ao lado da ponte levadiça do castelo de perdição? Exato, Evelin e Andressa, abraçadas em idílio amoroso. A primeira dirige um olhar enigmático, um tanto de agradecimento, um tanto pedido de compreensão. Ele responde com um olhar de entendimento que não é falso, pois esse canalha sempre foi um cavalheiro e não sente nenhuma raiva ou rancor dela, de fato não.
Caminhando pela madrugada no centro, ele se lembra que ao descer a Augusta horas antes, um dos laçadores da gloriosa rua lhe  anunciou promoção no Emanoelle: dez reais de entrada, com direito a duas cervejas. Como bebera pouco, decidiu averiguar o que a noite ainda poderia oferecer-lhe.         

Nenhum comentário:

Postar um comentário