Bebida e ingredientes na cesta, a fila menos gigantesca é escolhida e lá estão os dois pombinhos ansiosos para alcançarem a alcova e se embriagarem de vinho e prazer. Eis que o canalha que vos escreve sente algo estranho, uma sensação incômoda, nada boa, vinda de algum plano interior ignoto da sabedoria insconciente glandular da raça masculina (pode resumir a baboseira anterior em intuição masculina, se preferir, e acreditar que isso existe, caro leitor). Ele gira a cabeça em um movimento lento e inseguro, temendo o que encontrará... e vê, dois caixas adiante, ajeitando apressada na esteira rolante os itens que atulham um carrinho de compras, a mulher que foi sua paixão mal-resolvida mais sofrida, duradoura, infeliz, desgraçada, patética, inspiradora de noites e noites de bebedeiras amargas pelo centro afora, maldita... a lista de epítetos não teria fim, se deixasse as más lembranças me dominar. Lá está ela, a mulher manipuladora que causou um estrago insondável neste sujeitinho calejado. Quase nada envelheceu, cabelos um tanto curtos demais para minha preferência, corpo até que em forma. O olhar continua firme, meio duro, as roupas é que eram casuais até demais para uma ida ao supermercado mais próximo num fim de tarde.
O sujeitinho permanece estático por um instante, até lembrar que está acompanhado de outra mulher muito mais jovem e interessante que aquela, põe as compras na sacola, paga e não resiste a uma nova olhada, claro. Dessa vez os olhares dele e da fria manipuladora se encontram, ele aguenta o confronto um único segundo, então a razão clama para ele se desvencilhar dela, antes que esse encontro infausto ferre seus planos sexuais para mais tarde. Antes de voltar-se de uma vez para sua acompanhante, não consegue deixar de balbuciar o nome da infeliz, no que a sua companhia dispara:
- Você disse algo?
Ele responde, com voz inaudível, que apenas estava cantarolando um heavy metal qualquer, pega-a pelo braço, pára o primeiro táxi e ruma para sua felicidade noturna transitória.
Bem, vejamos, caro leitor que acompanhou essa ladainha barata até essa linha: bastaria termos visitado o mercado meros cinco minutos antes ou depois do horário em que isso ocorreu; o sujeitinho não ter querido bancar o legal e ao invés de aceitar a primeira sugestão da moça, na seção de vinhos, ter debatido um tantinho que fosse outras opções de bebida; serem menos seletivos e entrarem em qualquer fila; ele ser um pouco mais sem noção que o habitual e sugerir que acompanhassem o final do jogo de futebol na churrascaria próxima, enquanto viravam copos de chope, antes de irem às compras; um reservatório de combustível de um satélite espião russo qualquer perdido na estratosfera arremeter contra o solo nas cercanias e causar uma confusão e pânico dos diabos; enfim, bastaria um único evento de uma infinidade de possibilidades se concretizar para ele ser poupado daquilo. Mas não, lá vem o acaso para tentar estragar a já e sempre conturbada vida amorosa e sexual do cafajeste. Por sorte, foi apenas uma brincadeira dessa força incompreensível, cega e cruel, que em nada perceptível prejudicou o encontro.
PS: se querem saber um pouco mais dessa dama, e de sua importância para este blog e para o livro Noites Cafajestes e Alguns Dias Canalhas, sugiro que procurem a segunda (e até o momento última) postagem da série As musas desses dias e noites, publicada em dezembro de 2010, em meados do referido mês.
Saudações Canalhas e Cafajestes
Saudações Canalhas e Cafajestes
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